quinta-feira, 19 de novembro de 2009

BOS

A certeza do porte nobre
Com as pesadas heranças
Que repousam nos seus ombros
Responsabilidades assumidas
Sem causas a defender
Ódios a alimentar
Faz as delícias de um povo
Moldado de indecências
E nas suas transparências
Qualquer acto tanto é de louvar
Como até de criticar
Seja como for, continua a sorrir
Acena e mete pena
Alma vazia, sem nada a revelar
Os ombros encolhidos
A destinos traçados e definidos
Antes da sua concepção
E continuará a sorrir e a acenar
Em estados teatrais
Depressões fundamentais
Para sobreviver nessa roda giratória
E enquanto houver memória
No precário registo das palavras
Todo mundo chorará as suas sensações amargas

Desc

Olhos postos numa janela
Uma espera desnivelada
Uma gaivota na enseada
Que grita desalmada
Por novos horizontes
Cruza os céus, rasa as pontes
E volta ao seu poiso.
Outro dia, outro voo
Afiguram-se novas lidas
Sem saber se acometidas
De factos fundamentais
Pode ser da gaivota
Pode ser dos ideais
Do voa, pousa, pousa, voa
Acções repetidas
Canseiras esbaforidas
Pobre gaivota, morreu de embaraço
expirou no meu regaço
e os olhos postos na janela
Onde cruza agora uma caravela
que dará início ao mesmo torpor...

Moi

Achei-me idónea de prosseguir
Pé ante pé conduzi-me de volta à estrada
Semi - despida, presumida e empoeirada
De cabeça baixa, limitada e enfadada
Não é este o meu caminho
Voltei a enganar-me...
Tenho uma predilecção especial
Por enganos, engodos, equívocos
Por cinismos e outros aforismos
E mesmo voltando ao caminho certo
Tão direito, limpo, asseado e recto
Sempre duvido que a ele pertençam meus passos
E volto a entrar em desilusões, em dúvidas e reflexões
E os conselhos encimados,
aos meus ouvidos gritados:Deixa isso menina,
cansa-te de usar a cabeça
Deixa-a em casa, deixa que ela adormeça
Pensa só com o coração, mete patins na imaginação
Faz a tua revelação mesmo que seja só hoje….

Chuva

A chuva cai,
ora de mansinho, ora de rompante
Chuva bipolar, de humor variado
Tão doce em canto delicado
E de impulso, indignada sova o vidro,
Pula entre as pedras da calçada
Acarinhadas como a filha desgarrada
Escorre nas paredes numa dança sensual
Entrega-se à terra seca num invernoso ritual
Enlameia os pés de quem corre, anda, pisa o chão
Chuva que se infiltra, agente secreta
Sem rodeios ou cerimónias, tão directa
Fala sem falar, desmaia em vontade imperial
Chega, fora de tempo ou no seu tempo, é normal
Oblíqua e sem receios, incita os rios à insurreição
Nos seus leitos adormecidos no abafadiço do verão
Faz humanas vozes se doarem ao praguejo
Que não era este seu desejo, recebe-la de braços abertos
E sem lamentos concretos, todos se resignam e aceitam
A chuva chegou, e hospedada está na sua vontade
E somente a ela cabe, decidir o chegar e o partir…

A minha noite

Sou da noite a noite é minha
Gosto quando ela me acarinha
Com palavras doces e meigas
Me mantém os olhos abertos
Me dá a insónia por companhia
Me ampara as fraquezas do dia- a-dia
E me faz ter alguma paz…
Gosto do silêncio que a noite me empresta
Quando o barulho quase me arresta
E me desfaz a vida ficcionada
Gosto quando se acende e me ilumina
Para que na escuridão veja melhor
E fico tão apreensiva e angustiada
Quando se aproxima a alvorada
E fico à mercê de tormentos alvos
Porque não gosto da claridade reluzente
Do sol teimoso que me torna transparente
E revela uma fragilidade que teimo esconder
Prefiro a noite e a escuridão
Onde é tão fácil passar despercebida
E pela penumbra ser protegida...
Sinto-me bem na noite e não quero dormir
Fechar os olhos não vou mais permitir
Dormindo, corro o perigo de sonhar contigo
Por isso está decidido, nunca mais dormirei
Ficarei de vigília ver as horas a passar
Sem dormir, sem descansar
Esperando o dia expirar
Ansiosa pela minha noite

Hipnose

Hipnotizada contemplava
o sono do meu anjo
Tudo eram silêncios
Só um leve arfar esvoaçava no ar
Ora leve ora acelerado
Quem sabe se bafejado
Por um sonho épico
E eu serena, sentada
Envolvida em meia-luz
Numa tela que seduz
Olhava extasiada
Ansiando a alvorada
imbuída de certezas
tão bem espalhadas
numa cama desfeita
numa espera sincera
num beijo em suspenso
Desenhado pela quimera.
E toda a noite te velei
Amparei o teu sono
Como se fosse meu
Deixei-te dormir
Na tua calma
Sorvi-te a alma
Só de te olhar
E queria ter-te nas mãos
Moldar-te como o barro
Beber-te de um só trago
Envolvida em ansiedade
E na verdade, acordei, era um sonho
Que no sonho eu sonhei…

Mulher de gelo

Chegou o inverno com tanta firmeza
Anunciando tempestades e vendavais
E fustigada fui com chuva, vento e muito mais
O frio, a neve a remexer em corrupio
O meu cabelo a matizar e clarear
A alma a esfriar, o corpo a desfalecer
E sem que me pudesse mexer
Resignei-me e deixei-me trespassar
Deixei o frio penetrar
e lentamente enregelar
Até me transformar
numa mulher de gelo
Gélida, fria, inerte, glacial,
Insensível a qualquer meneio
Gesto, promessa, olhar, anseio
E no império do gelo
Receio nunca mais derreter
Desta forma que se moldou
E tudo porque o inverno chegou
Saltando outras estações
Antes tudo era Primavera em flor
Um Verão tórrido de amor
Mas o Inverno assomou com tanto vigor
Destruindo a afeição florescente
Genuína, sincera, transparente
Que agora jaze congelada,
no frio enterrada
E só por nós lembrada…